"Corrigir uma página é fácil. Mas escrevê-la - ah, amigo! - isso é difícil."

sábado, 29 de janeiro de 2011

Quem é o seu "Wilson"?


O filme “O Náufrago” foi sem dúvida um dos melhores que assisti em minha vida. Chuck Noland, um engenheiro de sistemas da FEDEX, ao despedir-se de sua noiva para realizar uma viagem de rotina, sofre um acidente de avião e se vê abandonado numa ilha remota como único sobrevivente do desastre.

Na história impressionante de Robert Zemeckis interpretada pelo ator Tom Hanks, Chuck tem de sobreviver a qualquer custo, pois está privado de todas as regalias da vida contemporânea, tendo consigo apenas alguns poucos destroços do avião que foram parar na praia. Seu único consolo é a foto da mulher que ama presente dentro de um pequeno colar que recebera momentos antes de viajar.

O filme trata de um tema muito relevante, que é a necessidade de um homem social, acostumado a relacionar-se e manter interações intensas com pessoas, de repente, vê-se isolado de tudo e de todos. Na sua ânsia de comunicar-se para não enveredar por um estágio de loucura, entra então em cena um personagem inusitado, a bola de voleibol da marca Wilson. “Wilson” “ganha vida” e “feições humanas” ao ter o rosto pintado com o sangue do próprio Chuck que se fere ao tentar criar apetrechos para sua sobrevivência. No fundo, o personagem sabe que fala e interage com uma bola de voleibol, mas faz isto para aplacar o desespero, a solidão e até a perda da razão. Na verdade, a bola passara a ser parte do próprio “eu” de Chuck, pois, não raro, questiona-o, reprime-o, critica-o, como se fosse uma projeção de sua própria consciência.

De todas as cenas do filme, uma em particular me marcou. É o momento em que Chuck, após construir uma jangada, consegue escapar da ilha em busca do alto-mar e da possibilidade de resgate por um navio. Dias a fio sob o sol, cansado, desidratado, no final de suas forças ele acorda e vê que “Wilson” havia se soltado da balsa e, empurrado pela correnteza, estava se afastando. Sem detença, Chuck pula ao mar e tenta ir ao encontro do “amigo” para resgatá-lo, mas acaba tendo de optar entre salvá-lo ou manter a balsa, sua única chance de sobrevivência. É aí que, em determinado momento, chorando muito, ele cai em si e vê que o que está tentando fazer é algo insano. Dessa forma, desiste de “Wilson” e volta à balsa. Arrasado, como se tivesse perdido alguém da família, repete, no seu desespero, como um mantra, a frase: “desculpe “Wilson”, desculpe...”.
Se há uma coisa importante que você deve logo aprender na vida cristã é que ela é feita de perdas. O próprio Jesus disse: “quem perder a sua vida por amor de mim, ganhá-la-á”. Esta é uma das frases mais mal interpretadas do Novo Testamento, saindo, não raro, da perspectiva do Evangelho, e adentrando nas correntes filosóficas estóica, cética e epicurista, que se baseiam na ataraxia, uma forma de mortificação do eu, das emoções e sensações. Contudo, em absoluto, esta nunca foi à proposta de Jesus, pois o que Ele oferece é o abandono total da religião que, privilegia o esforço próprio e meritório, anulando a rendição mediante a graça de Deus que já realizou tudo – Tetelestai (está pago) – e isto para todo aquele que crer.

Veja o que diz a psicanalista Judith Viorst, pesquisadora do Instituto Psicanalítico de Washington, autora do livro “Perdas Necessárias”, que afirma que “ao fazermos a escolha por um caminho, deixamos implícitas duas decisões, uma ligada ao ganho do caminho escolhido e, outra, ligada a perda daquele caminho que deixamos para traz. E assim vamos, ao longo de cada dia ganhando e perdendo. A experiência da perda carrega consigo o fim de um ciclo e o início de um novo caminhar. Desta forma, a capacidade de poder viver a perda como uma oportunidade, mesmo que sofrida, faz de nós pessoas melhores e maduras. Em suas últimas linhas do livro, revela como extraordinário é para o ser humano desvendar a própria compreensão dos processos de perda. Compreender que a perda está implícita ao direito e a capacidade de estar vivo”.

Todos nós, mais cedo ou mais tarde, teremos um “Wilson” em nossas vidas que precisará ser abandonado. Ele poderá, existencialmente, assumir muitos matizes; quem sabe, será o abandono de um amor impossível, platônico, doído, desejado, mas que precisa ser deixado para ser levado pela “correnteza” da vida. Ou, talvez, seu “Wilson” seja um projeto pelo qual você trabalhou toda a vida, mas que, racionalmente falando, não tem como se desdobrar em algo bom e que faça bem. Ele pode ser uma amizade que se dessignificou, pois perdeu o sentido e o propósito, pode ser um sonho acalentado desde a infância, mas que diante da realidade crua da vida adulta não é mais viável, pode ser o abandono de um emprego, de uma cidade, até mesmo de uma igreja, do convívio de gente que você caminhou toda a vida, mas agora o “destino” lhe chama a “outras paragens”.

“Wilson” pode assumir qualquer forma, ou até mesmo tomar o lugar de uma pessoa. Por vezes ele é a necessidade de superarmos uma separação profundamente dolorosa, virarmos a página, começarmos de novo. Em outros casos, é a necessidade de sermos pragmáticos para podermos esquecer a perda de alguém que amávamos e que a morte levou em direção à Vida. “Wilson” às vezes aparece em situações extremas como, por exemplo, em crises financeiras, onde é necessário nos desfazermos de coisas que amamos e que conquistamos com grande esforço e renúncias. Seja como for, cedo ou tarde, você terá em sua vida um “Wilson” e precisará fazer a sua escolha.
Para mim, a lição mais importante do filme “O Náufrago” é mostrar que o ser humano, mesmo perdido em meio a dúvidas e medos, precisa continuar a viver, ou como diria o Chuck, continuar respirando, afinal, a própria vida (simbolicamente identificada como a maré), pode trazer, no dia seguinte, algo totalmente novo. De fato, nunca sabemos o que a vida nos trará no dia de amanhã.

O que sei é que Deus pode transformar a situação mais dramática da vida em algo que produza paz e bem para a existência. É isso que diz Paulo aos Romanos, que “todas as coisas cooperam para o bem dos que amam a Deus”. Sim, eu já aprendi que há situações onde os “poços” são capazes de produzir flores. Por isso, se você está no “fundo do poço”, saiba: este é o melhor lugar para presenciar o florescer da esperança. E assim, concluo com Fernando Pessoa: “possuir é perder. Sentir sem possuir é guardar, porque é extrair de uma coisa a sua essência”.
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terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Mudanças fluem como um rio.


Algumas pessoas são bem observadoras, e não são poucas às vezes os comentários que ouço sobre o quanto mudei nos últimos anos – se bem que não precisa ser muito observador para se perceber isso. Enfim, a mudança – creio eu – é algo inerente ao ser humano. A célebre frase “phanta rhei” (tudo flui) usada por Heráclito (540-480 a.C.), resume muito bem essa questão de mudança. Segundo a concepção de Heráclito tudo está em movimento e nada dura pra sempre; o dia vira noite, a noite vira dia, o vapor se transforma em líquido que por sua vez “flui” para sólido. Coisas quentes esfriam, coisas frias esquentam; coisas úmidas secam, coisas secas umedecem etc. Podemos levar em conta também as várias formas que os átomos dão a matéria. Daí surgiu a conceito de que não podemos entrar no mesmo rio duas vezes, pois, quando entro pela segunda vez, o rio já não é mais o mesmo, pois as águas estão sempre fluindo, e eu também já não sou mais a mesma pessoa.

Diante disso, as mudanças são intrínsecas não somente ao ser humano, mas também a todo o universo. A vida é um “eterno” Vir-a-Ser. Somente o Logos não está sujeito a variabilidade.

Como nada é constante, tudo passa, tudo flui, sendo a vida uma sucessão de realidades sempre distantes, constato que realmente mudei, e não foram poucas minhas metamorfoses. Mudei quando me converti em uma igreja evangélica. Posteriormente mudei quando conheci Jesus. Mudei quando me deparei com o trabalho, depois mudei novamente quando passei a olhar a vida com uma ótica renovada, etc. Mas o que mais intriga meus leitores, ouvintes, amigos e conhecidos, é que mudei por demais minhas opiniões e valores teológicos e filosóficos.

Admito a todos vocês que em se tratando da minha fé, mudei mesmo. Mudei de caminho, mas não de rumo. Pulei pra dentro de outra trincheira, mas não abandonei a guerra. Quero permanecer perto daqueles que aprenderam a ter coragem para enfrentar o desafio da ressignificação da sua fé. Quero lutar ao lado de pessoas simples, gente que se acha indigna, que ousa fazer seus questionamentos com sinceridade assim como Jó fez, que não tenham medo de olhar para para si mesmo e dilatar seu coração diante de Deus. Quero pelejar ao lado de sujeitos que estejam dispostos a mudar, a “fluir”, a sair do casulo, do sarcófago gelado da religião sem sentido que aprisiona os tolos.

Phanta rhei os potamós "Tudo flui como um rio".


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quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Luta pela vida.




No vídeo postado acima, assisti a uma das cenas mais dramáticas de toda a minha vida. Ela me lembra a frase de Laya: “quando não se tem o que perder deve-se arriscar tudo”. A mulher está ilhada numa casa semi destruída. Ali dentro tem uma história, tem a luta de uma vida, os móveis, os eletrodomésticos, documentos, fotos, poucos bens comprados com sacrifício. Mas a casa está submersa, a maior parte destas coisas já foi levada pela correnteza. O volume de água e a sua força faz com que a mulher suba até chegar ao telhado. Agora já não há mais o que fazer, não tem mais para onde ir.

A câmera mostra a dura realidade. O que lhe sobrou foram apenas duas coisas: a roupa do corpo e o cachorro que ela segura como um filho. Naquele momento, o melhor amigo do cão era o “homem”. Ela o segura como quem segura o único e último bem que lhe restou. Parece determinada a salvá-lo a qualquer custo.

Num ato extremado, num último recurso para livrá-la da morte, vizinhos jogam uma corda para tentar puxá-la para o prédio ao lado. É uma tarefa arriscada. As chances do resgate dar certo são poucas, pois a correnteza é muito forte, o prédio é alto, apenas dois homens estão lá em cima e uma mulher de idade não tem tanta resistência para suportar isto.

A corda é lançada e ela a segura. Ao fundo ouvem-se gritos de desespero. A mulher se joga na correnteza agarrada ao cachorro e tenta salvar-se e salvar o seu bichinho. Mas a força da água impõe-lhe a dura tarefa de escolher entre a sua vida e a vida do animal. Ela agarra a corda com as duas mãos e solta o cachorro que é levado pelo turbilhão descontrolado.

Puxada de forma milagrosa até o teto do prédio, amparada heroicamente por gente que estava no lugar certo na hora certa, ela olha pra trás e não vê mais nada. O “amigo” que tentou salvar a todo custo desaparecera para sempre. Eu tenho um cachorrinho, posso imaginar a sua dor pela sua perda. O que não poderei jamais imaginar é a dor gerada pelas outras tantas perdas deste dia que, para ela, será inesquecível: o dia em que sua vida esteve presa apenas por uma corda.

Eu não sei o nome daquela mulher. Não sei o nome dos homens que a puxaram. Não sei o nome do pequeno cachorrinho. Mas minha alma se entristeceu profundamente pela sua dor e meu coração se compungiu pelo seu sofrimento. Sua coragem em se lançar nas águas para tentar salvar-se me marcarão pelo resto da vida. Daqui de onde estou, posso apenas orar para que ela encontre forças para continuar a viver e reconstruir o que sobrou de sua existência.

A esta mulher, símbolo do desrespeito pela vida, símbolo do descaso das autoridades deste país pelo povo que vive a margem de tudo, símbolo da resistência e da vontade inexplicável de sobreviver, símbolo de dignidade, de humanidade, meus sentimentos, meu respeito e minha reverência pela sua vida, pela sua alma e pela sua dor.

                                                                         Texto de Carlos Moreira
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segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Devemos ouvir música não-evangélica?



Muitas vezes somos impedidos de ouvir muitas músicas populares devido aos nossos preconceitos. Por outro lado, o oposto também é verdadeiro. Consumimos muito lixo, porque nos foi imposto com uma roupagem evangélica. Devido ao simples fato de uma música falar em Deus, abordar temas sobre a dimensão espiritual não significa necessariamente que aquela música seja sacra ou evangélica. Conheço muitas músicas que são pobres em seus conteúdos doutrinários, eivadas de erros de português, compostas por impulsos meramente comerciais. Será que poderíamos classificá-las como sagradas?

Isso nos leva a uma pergunta: O que faz uma música evangélica ou "gospel'? A palavra gospel é a junção de duas palavras God + spell = Gospel significa "evangelho" "boa nova". Ai eu pergunto: Toda música gospel é Palavra de Deus? Evidentemente que não, pois existe muita porcaria por ai que nós denominamos como "gospel". Músicas sem o mínimo de riqueza poética e teológica, vozes rocas que retinem recheada de frases com auto-ajuda. Mas vamos ao que nos interessa.

A próxima pergunta seria: Uma pessoa não-convertida pode produzir o que for nobre, que leve à reflexão, divirta ou edifique? A resposta obviamente é sim. Um erudito como Rui Barbosa, embora nunca tenha feito parte de uma igreja evangélica, escreveu artigos e ensaios sobre o direito e a cidadania tão dignos que servem de ilustração, inclusive, para um sermão. Um estadista, como Winston Churchil pôde nos brindar com um discurso tão verdadeiro,que todos, inclusive os pastores, devem aplaudir. Um poeta como Carlos Drummond de Andrade, embora um ateu professo, deixou-nos um legado poético espetacular.

A teologia da queda não propõe que os descendentes de Adão sejam incapazes de boas ações. A alienação do pecado não anula completamente a imagem de Deus nos homens. Todos os seres humanos, mesmo os mais vis, ainda carregam traços do Criador. Isto os habilita a praticar boas obras. A prostituta Raabe ajudou os espias em Jerico mesmo sem ter completo conhecimento de Jeová. Ciro, o rei da Pérsia, foi usado como instrumento de Deus, mesmo sem qualquer indício de que ele jamais tenha se rendido a Deus como Senhor de sua vida. Devemos nos lembrar do samaritano que ajudou o moribundo na beira do caminho entre Jerusalém e Jerico. Na concepção dos judeus, somente os verdadeiros filhos de Abraão seriam capazes de agir com dignidade. Porém, Cristo dá o troféu da bondade a um estranho. Mais tarde, Cristo afirma que os filhos das trevas são, muitas vezes, mais sábios que os filhos da luz (Lc 16:8). Deduz-se que um juiz não necessita converter-se para conduzir um tribunal com justiça. Um fiscal pode, mesmo nunca tendo experimentado o novo nascimento, manter-se íntegro. Um artista é capaz de pintar, compor, escrever ou esculpir obras de arte mesmo sem ter se submetido ao senhorio de Cristo.

Na história da humanidade houve grandes compositores que escreveram e nos encantaram com peças belíssimas. Muitos deles não eram cristãos convertidos. Mozart, Tchaikovsky, Beethoven, dotados de um gênio musical ímpar, não possuíam uma vida consagrada a Deus. A imagem do Criador neles é que transbordava em excelência musical. Michelangelo, Rodin, e tantos outros escultores conseguiram dar vida e significado às pedras brutas de mármore, metais contorcidos e blocos de granito, porque a "Graça Comum" habilitava-os. Arquitetos, romancistas, decoradores, pintores e tantos outros homens e mulheres presenteiam-nos constantemente com suas obras de arte, porque Deus faz com que sua graça seja derramada tanto sobre os justos como sobre os injustos.

Quando alguém declara que não ouve "música do mundo", está afirmando que não reconhece nenhuma pessoa, a não ser os convertidos, com a capacidade de produzir um texto, uma música ou qualquer expressão artística louvável. Essa posição é no mínimo incoerente. Pois essa mesma pessoa lê jornais, revistas, assiste novelas, vai ao cinema, ouve o noticiário e, na escola, estuda através de livros escritos por pessoas não-cristãs. Ora, até o apóstolo Paulo que foi educado por Gamaliel, o maior sábio da época, citou poetas e filósofos pagãos em seus escritos (At 17.28, 1Co15.33, Tt 1.12).

Fernando Pessoa foi, seguramente, o maior poeta da língua portuguesa. Suas poesias expressam sentimentos, angústias e perplexidades. Ele foi genial. Sem nunca professar fé em Deus, transmitiu com formosura o que há de mais divino nos seres humanos: nossa capacidade criativa. Não lê-lo não significa santidade, mas limitação intelectual.


Uma música para ser sagrada não necessita limitar-se em louvar a Deus ou versar sobre assuntos espirituais. A Bíblia contém dois livro, Ester e Cantares que não trata diretamente de Deus (Deus não é mencionado nesses livros), mas deixa sua presença implícita por todo o texto. Em Ester, Deus é louvado na história do comportamento dela como rainha, comportamento que se mostrou fundamental na preservação do povo judeu. A pureza do texto vem do tema que ela trata. Tudo o que engrandece a humanidade, enriquece o espírito, leva à reflexão da verdade ou faz questionar os valores da vida é digno. Na determinação da sacralidade de uma obra não há um imperativo de que se dirija sempre a Deus.

A própria Bíblia contém um livro de adágios populares - Provérbios - e nós o reputamos por sagrado. Embora o cânon tenha estabelecido que Salomão o compilou, Provérbios contém máximas que o povo judeu tinha como verdadeiras. Muitos dos conselhos deste livro canônico não tratam de nosso relacionamento com Deus, mas dos devedores, com os verdadeiros e falsos amigos e com nossos pais. Ora, mesmo abordando temas do cotidiano da vida e contendo adágios populares, Provérbios é
sagrado.

O que dizer do livro de Cantares de Salomão? Embora haja um esforço muito grande de espiritualizar o livro de Cantares querendo que ele signifique o relacionamento de Deus com o seu povo, ou de Cristo com a Igreja, sua verdadeira intenção, que fica explícita em todo o livro, é celebrar o amor de um homem e de uma mulher.

Tomemos o exemplo do capítulo quatro de Cantares. Os primeiros cinco versículos são cantados pelo noivo que está fascinado pela beleza da noiva. Será que esses versículos são de louvor a Deus? Não. Eles falam exclusivamente sobre o relacionamento de noivos apaixonados. Por que então são sagrados? Porque o amor dos enamorados é bonito e deve ser celebrado na presença de Deus. O amor, inclusive o erótico, foi uma dádiva preciosa da Deus.

O pastor Ricardo Gondim conta uma experiência numa ocasião em que estava presente em uma igreja que acabara de comprar um teclado. Primeiro, o pastor discorreu sobre o sacrifício necessário para adquirir aquele instrumento musical. Depois chamou o grupo de louvor da igreja e fez com que todos prometessem diante da congregação que dali nunca sairiam músicas que não fossem de louvor e adoração a Deus. Com o semblante transparecendo extrema contrição, todos juraram que aquele instrumento nunca seria usado para tocar "música do mundo". Tudo pareceu muito santo. Todavia, meu pensamento imediato foi: "Para serem coerentes com o que prometem agora, eles nunca poderão compor qualquer música baseada no livro de Cantares de Salomão. Um filho jamais poderá tocar uma música sobre seu pai ou mãe. Em nenhum casamento se ouvirá qualquer canção sobre o amor. Se esses jovens tocarem 'Parabéns prá você' ou o "Hino Nacional", já terão quebrado esse voto".

Não há diferença entre o tema central de Cantares de Salomão e uma letra de música que Chico Buarque de Holanda escreveu para a Carolina.

Chegamos à doce conclusão de que toda produção literária - romance, poesia, crônica, contos, etc. - é válida. Independente de quem as escreveu. Caso seus conteúdos forem dignos, elas devem ser consumidas por todos, inclusive os crentes.

Há músicas que enaltecem a natureza, outras que celebram o amor, outras que indagam sobre o sentido da vida. Há aquelas que lamentam um amor não correspondido, muitas que enaltecem uma musa ou um herói. Há músicas que glorificam a Deus, incentivam a oração, evangelizam, promovem o amor dos irmãos. Algumas, também, festejam a queda dos inimigos. Todas são válidas para o propósito que foram escritas e fazem sentido quando se restringem ao seu ambiente propício.

Seria tolice alternar nossos louvores a Deus com músicas de Caetano Veloso. Mas também não faz sentido um namorado cantar uma serenata para sua querida, entoando o Hino da Harpa de número 15.

Então vai aqui minhas ultimas palavras: só existe dois tipos de música; a música boa, e a música ruim.
                                                                                                     Texto de Lindiberg de Oliveira
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terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Entre amigos e decepções.



Nunca fui um homem de muitos amigos, se é que um dia os tive. Conto nos dedos das mãos (os dos pés ficam de fora) as pessoas que me foram muito próximas e que num lapso de extremo otimismo e inocência eu chamei de amigos.


Para falar a verdade, não existe de fato aquilo que convencionamos chamar de amigo. A figura do companheiro infalível, sempre disponível, disposto a ajudar em qualquer situação e presente em todos os momentos da vida só existe nas canções apaixonadas e emotivas de cantores como Roberto Carlos.


Sabe aquele seu amigo que nunca falhou com você? Foi só uma questão de oportunidade. Nada melhor do que o tempo para revelar a superficialidade de certas relações que acreditamos sólidas, mas que são frouxas como gelatina. As pessoas falham e nos decepcionam com mais facilidade do que imaginamos!


A melhor fórmula para cultivar uma relação de camaradagem é nada esperar daqueles que se dizem nossos amigos e fazem juramentos de fidelidade eterna.
Para quem não espera nada, tudo o que vier é lucro.

Aliás, bom seria que evitássemos obstinadamente as “amizades muito finas”. Entenda-se por “muito fina” uma relação onde a proximidade entre duas pessoas é tão intensa que até mesmo a individualidade de cada uma é sufocada por uma convivência constante e doentia.


É preciso certa distância para que haja liberdade e os relacionamentos sejam duradouros. A proximidade em demasia, por incrível que isso possa parecer, acaba gerando um efeito contrário ao esperado e separando ao invés de unir.


Amizade, se é que existe tal coisa, certamente não é diretamente proporcional a proximidade e ao tempo de convívio. Judas andava o tempo todo ao lado de Jesus e não hesitou em traí-lo, pois nunca foi de fato seu amigo.
Aliás, assim como aconteceu com o Cristo também acontece conosco. Somos sempre traídos com um “beijo frio na face”. Traição e amizade em muitos casos moram em casas conjugadas!


Quanto a mim, os meus melhores amigos são os que já morreram e não tiveram tempo e nem foram próximos o bastante para me fazerem mal. No que diz respeito aos vivos, é mais prudente esperar um pouco mais para elogiá-los ou  então deixar que morram primeiro. KKKKK.


Embora Aristóteles tenha dito que o homem é um ser social, ou seja, que ele só se realiza plenamente na relação com outros homens, é também igualmente verdade que somos sós por natureza. O nosso ser é um mundo escuro e sombrio por onde vagamos sós e aflitos a procura de um caminho.


Estamos sozinhos porque os recônditos mais escuros das nossas almas e dos nossos corações são inacessíveis até mesmo àqueles que julgamos serem os nossos melhores amigos. Nesses espaços vazios do nosso ser só uma única pessoa pode penetrar e às vezes eu temo que seja justamente ela, com quem lutamos diariamente e com todas as forças que temos, para deixa-la completamente de fora de nossos miseráveis corações.

Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele comigo. Ap.3:20.


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sábado, 1 de janeiro de 2011

Feliz Ano Novo!


“Hoje, é um novo dia de um novo tempo que começou. Nesses novos dias, as alegrias, serão de todos, é só querer. Todos nossos sonhos, serão verdade, o futuro, já começou. Hoje a festa é sua, hoje a festa é nossa, é de quem quiser, quem vier”. Quem não conhece esse jingle da Rede Globo, criado em 1971, por Nelson Mota e Marcos Valle, que acabou tornando-se a canção de final de ano dos brasileiros?


2010 está encerrado. Para muitos, foi um ano dificílimo. Perdas irreparáveis, separações, morte de familiares... Alguns foram vitimados por enfermidade, outros tiveram seus quadros agravados. Hospitais, médicos, remédios... A idade avança e com ela suas dores. Há os que tiveram problemas profissionais, demissão, mudança de função, de emprego, até mesmo falência. Alguns enfrentaram revezes financeiros, dívidas acumuladas, cartões de crédito em atraso, cheque especial, escola das crianças, contas de luz, de telefone, de água...


Um ano difícil esse de 2010. Filhos sentiram a ausência dos pais; pais desencontrados, perplexos, perderam-se de seus filhos. Um ano em que muitos viram sonhos desmoronar. Aliás, em alguns casos, eles viraram pesadelos. Projetos não deram certo: a compra da casa, a troca do carro, a viagem de férias, a montagem de um novo negócio. Houve quem naufragasse nos estudos, repetindo o ano. Outros sucumbiram no vestibular. Perda de tempo e de dinheiro.


Em 2010 alguns amores terminaram. A solidão bateu na porta de muita gente. Fomos as lágrimas, experimentamos a depressão, tivemos medos, sentimos dores das mais diversas. Para alguns o chão sumiu, para outros, o telhado caiu. Muitas pessoas foram atingidas por tragédias, enchentes, vendavais, e terão de se reerguer a partir dos escombros. Lembrei de Miguel Falabela, ator, diretor e roteirista, que disse certa vez: “sou feliz porque aprendi a transformar as minhas sucatas”. Neste ano que se finda, pensando em você que teve um ano difícil, lancei-me a escrever este texto. Ele é um desafio para olharmos para o ano que se inicia com sonhos na mente e paixão no coração.


Para tal, quero convidá-lo a analisar um texto da carta de 2ª Coríntios. Escrita pelo apóstolo Paulo, ela é considerada “a carta das lágrimas”, pois nos expõe o sentimento de um homem que está vivendo um tempo difícil. Quem sabe, talvez, tenha tido um ano difícil, ou mesmo, vários, consecutivos... E assim, chegando ao capítulo 6, nos deparamos com o seu desabafo livre, despudorado, são as “vísceras” da alma expostas a “céu aberto”, para que todos saibam, para que todos vejam, para que todos ouçam.


E é justamente aí, em meio a este cenário de dor, de perdas, de decepções, frustrações, de desânimo, incompreensões, dificuldades de todas as formas, por todos os lados, que Paulo se supera, e acaba nos ensinando a como transformar “sucata” em “tesouro”.


“E nós, na qualidade de cooperadores com ele, também vos exortamos a que não recebais em vão a graça de Deus (porque ele diz: Eu te ouvi no tempo da oportunidade e te socorri no dia da salvação; eis, agora, o tempo sobremodo oportuno, eis, agora, o dia da salvação)” 6:1-2. Em primeiro lugar, Paulo nos ensina que a melhor experimentação da graça se dá quando nós decidimos viver esse dia chamado hoje.


O que você acha que significa “não receber a graça em vão?”. Eu acredito que é não se deixar vencer pelos dramas da existência, pelas lutas, pelas dificuldades pelas perdas e dores. Mas, ao mesmo tempo, Deus afirma: “eu te ouvi e te socorri”... Deus tem construído conosco uma história. Não reconhecer isto é desprezar a graça, e isto facilmente acontece conosco, pois nos esquecemos daquilo que Ele já realizou em nós e por nós. É por isso que o salmista pede para que o Senhor o ensine a contar os seus dias. É uma maneira de não deixar de reconhecer a generosidade de Deus nas coisas mais simples e singelas da vida.


Os grandes dramas da existência humana estão “travados” entre o ontem e o amanhã. Sofremos por aquilo que já se foi e pelo qual já não podemos fazer mais absolutamente nada. Ansiamos por aquilo que ainda virá, e sobre o qual ainda não temos qualquer poder. Mas esquecemos de viver o hoje. Carpe Diem! Aproveite o dia, o hoje, o agora! Tudo o que Deus tem para você é para hoje, pois o ontem já se foi e o amanhã ainda virá. Por isso Paulo diz que hoje é o dia oportuno! Seja feliz hoje, ame hoje, doe-se hoje, perdoe hoje, seja verdadeiro hoje, seja generoso hoje, renove suas esperanças, hoje, Carpe Diem!


“Pelo contrário, em tudo recomendando-nos a nós mesmos como ministros de Deus: na muita paciência, nas aflições, nas privações, nas angústias, nos açoites, nas prisões, nos tumultos, nos trabalhos, nas vigílias, nos jejuns,”. 6:4-5. Em segundo lugar, saiba que os desafios da existência nos sobrevêm para fazer-nos pessoas melhores.


Fico impressionado que o escritor da carta aos Hebreus tenha afirmado que Jesus foi aperfeiçoado por causa das coisas que sofreu. Ora, como o perfeito pode ser ainda aperfeiçoado? Inevitável não pensar ser um pleonasmo do autor. Contudo, usando uma hermenêutica mais ajustada ao texto, vemos que o escritor apenas usa uma figura de linguagem para dizer que tanto o sofrimento quanto a obediência são ingredientes poderosos para moldar o caráter do ser humano.


Veja que na lista dos valores que Paulo apresenta como fomentadores de densidade existencial não existem regalias, supérfluos ou vaidades. Pelo contrário, nela encontramos a aflição, a privação e a angústia, por exemplo, sentimos que experimentamos em certas “estações” da vida e que, a todo custo, tentamos evitar. Ora, nem tudo que aparentemente nos faz bem é bom. Não raro, aquilo que dói, que causa sofrimento, que gera sentimentos de frustração e perda tem um poder avassalador para desenvolver em nós uma potente “musculatura espiritual” – consciência aguçada, coração generoso e alma pacificada.


“Na pureza, no saber, na longanimidade, na bondade, no Espírito Santo, no amor não fingido, na palavra da verdade, no poder de Deus, pelas armas da justiça, quer ofensivas, quer defensivas;” 6:6-7. Finalmente, em último lugar, reescreva em fé um caminho novo, mas com valores e princípios eternos.


É incrível como tudo que fazemos gira em torno de sermos pessoas felizes, e não pessoas melhores. Isto vai totalmente de encontro ao que Jesus nos ensina, pois o bem aventurado é “aquele que é”, aquele que se deixa reconstruir de dentro para fora, com novos valores e princípios, o que experimenta uma ressignificação da consciência capaz de remodelar o ser, de forjar a nova matriz existencial pela qual os dias passam a ter significado e a vida encontra o seu propósito.


Quando eu era pequeno, passava pela minha rua um velhinho que carregava uma carroça. Nela estavam penduradas todo tipo de bugigangas. Lembro que ele soava um apito e dizia: “compro sucata!”. Sempre que passava, era muito comum as pessoas o procurarem com algo que já não lhe servia mais, ou mesmo que estava quebrado. Ele avaliava, fazia a proposta, e adquiria o objeto.


Anos mais tarde, quando estava voltando de uma festa, parei numa lanchonete para comer com alguns amigos. Enquanto aguardava a pizza, vi do outro lado da rua uma pequena casa com uma luzinha bem fraca que estava acesa. Mesmo quase na penumbra, percebi que a silhueta que se projetava era a do velhinho da carroça. Saí da lanchonete, atravessei a rua, e fui ao seu encontro.


Ao chegar à janela da casa, já debruçado sobre ela, vi uma enorme sala, que na verdade era uma oficina, onde aquele senhor transformava sucata em coisas novinhas em folha. Fiquei impressionado! Quando ele me viu na janela, olhou-me com um olhar doce e com voz carinhosa disse: “o que para vocês é sucata, para mim é tesouro”. Creia-me, das muitas lições que aprendi na vida, esta, sem dúvida, foi uma das mais significativas...

                                                                                                                Texto de Carlos Moreira
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